quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Eu queria te fazer um poema

Hoje à tarde eu li uns poemas daquele livro novo. Eu adoro poesia, semana passada mergulhei nos poemas do Manoel de Barros e fiquei até com dó de ter comido rã frita na meu aniversário, mas passou (o sentimento sobre rã). Hoje eu fiquei ouvindo umas poesias do Drummond e do Pessoa no YouTube. Um dia eu quero fazer uma poesia para dizer de todos os seus signos. Agora mesmo, se eu soubesse colocar todas as cores do meu quarto que te esperam, a sua fronha de cetim, que eu sempre acho que é seda, porque agora mesmo procurei o google,mas não entendi a diferença,eu queria fazer um poema e colocar dentro dele o sentimento de sexta à noite, porque eu sempre acho que o próximo ônibus que para em frente a minha casa é o que te traz, e queria um poema que dissesse da saudade antecipada que me vem antes mesmo que você pegue o ônibus no final do domingo. No poema, esse subjuntivo esperado, eu colocaria também essa vontade de ter um canto só nosso, eu podia colocar no poema, meu medo que você fosse buscar meus chinelos, depois daquela confusão toda no mercado de Aracaju. No poema, eu colocaria aquele ocre raro e único que fez fundo para tua cara sorrindo e chorando sobre as águas de minhas raízes de memórias infantis, naquele rio das carrancas, das histórias de seu Antonio. No poema, caberia a alegria doce de quando você acha um cabelo branco em mim, e a gente sente que o tempo está passando e estamos juntas, e estamos escancaradamente felizes. No poema eu colocaria a alegria de te abraçar nua, eu queria um poema agora, um poema que fosse como um maçarico derretendo cobre, um poema que fosse feito de algodão  e que atravessasse esse trânsito das avenidas inchadas que separam minha casa da sua, um poema de algodão que vencesse toda a ira do trânsito, da garoa gelada aos nove graus na segunda de manhã, um poema tão original como esse cara que está vendendo pizza agora às nove horas da noite num "carro da pizza". 
Flor, um dia vou fazer um poema que vai falar até das tuas sardas me sorrindo sob o sol de Salvador.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

A natureza dos meus olhos


Mais um roteiro começa a ser desenhado pelas nossas vontades, pelas buscas no google maps, pelos e-mails enviados, pelos preços avaliados, a cada busca surgem histórias, alegrias de nossas viagens, lembranças de pôr do sol, de nossas comemorações diárias. Quantas alegrias regadas a acarajé com cerveja na pracinha do bairro, de mãos dadas, de abraço dado, quantas idas à academia, e todo dia é uma novidade para dividir, quanto tempo de silêncio dividido na biblioteca na qual os funcionários já nos conhecem, quantos chocolates ( e até flores) partilhados para que o cansaço nunca ofusque nossa alegria diária, tantas vezes fechamos os olhos depois do cansaço que a leitura ininterrupta comove em nossas vistas, e cada vez mais, enxergamos as cercas. 
O mundo é uma coisa tão maluca, eu não sei dizer,mas há muito força na nossa crença, enxergar nossa própria fragilidade, questionar a dança dos dias, ir à feira, comprar sapatos, separar um tempo para te ler poemas.
Essa nossa força me faz ser gigante.Vivo simples, não aspiro desafios de acumulação como nossos pares, vivo simples, quero tempo, o tempo de te ver, te ver e reparar nos cachos bonitos do seu cabelo, reparar nas suas escolhas lexicais, nas suas sobrancelhas, no calor de sua respiração antes de você dormir, também somos parte de uma teia de afetos, somos filhas, irmãs, somos pessoas que ocupam um lugar,uma função, nem tudo funciona como a função prevê, não sermos máquinas nos rende muitas lágrimas, muitos medos, muita dúvida na lida diária com tanta gente, o poeta disse " a injustiça não se resolve",mas a monja Cohen tem me ajudado a diminuir vaidade que há em mim. 
Temos reservado tempo, são tardes lindas, onde a luz da janela da biblioteca incide em linha diagonal na mesa de madeira silenciosa que mobília a sala limpa. Esse tempo nos aproxima, caminhamos. Pelas sintaxes gordurosas de enfadonhos teóricos ou pela beleza imponente de escritores brilhantes, cada um deles, para o deleite dos nossos olhos ou para desespero de nosso raciocínio, move alguma coisa em nós, destrói alvenarias de sangue, do sangue de que se fez a primeira casa da cidade. 
Eu tenho alegria de saber da nossa vontade junta, eu sei tão pouco, a minha alegria de saber é imensa,não é um castigo estudar, não é feio passar horas tentando encontrar entendimento, no fundo esse foi o luxo que eu sempre quis, O luxo de ter tempo para pensar, quando olho ao redor vejo homens e mulheres que não perguntam, seguem a lida diária, sem o Esteves da padaria, talvez não percebam as teias de concreto que coloca cada um numa jaula, quem sabe sintam o fruto sem lhe nomear o sabor, mas o fruto está cada vez mais desnutrido, a sanha torta do querer  muitas vezes nos põe em aflição, ânsia desordenada de querer um cessar do exército de homens maus , esses que aumentaram a vida do pobre junto ao ponto e fizeram subir 60 centavos o preço do café da padaria.
Mas é na luta linda e boa para barrar minha própria ignorância, para fazer domar essa minha burra vaidade, na luta para fazer caber a vigem dentro do orçamento, é nessa luta limpa, sã e boa que eu percebo os milagres. Milagre vem de Do Latim MIRACULUS, “causa de espanto, admiração”, de MIRARE, “olhar com espanto”, de MIRUS, “maravilhoso”. O aconchego da tua voz, na aula sobre estilística descobri que persona,vem de per son, pelo som, é que é marca de intimidade reconhecer o que entre todos nós nos diferencia, a voz, marca de pessoalidade. A sua voz é uma casa que eu quero morar,Flor. Pequenos e escandalosos encantamentos me tomam os olhos e os braços, quero na intimidade nossa dizer com todo o meu corpo, som e força do milagre que é existir na tua presença.
A tua presença,morena. A tua presença morena a embalar os meus verbos de força e profunda doçura bruta, como beijos de desjejum. Nosso Tudo é força,Flor.


domingo, 1 de janeiro de 2017

Janeiro

Você sabe que dezembro não é o meu mês preferido, eu sei que também não é o seu. Embora eu adore aquelas plantas de folhas vermelhas que enfeitam as árvores de algumas avenidas da cidade, no mais dezembro contabiliza afetos de sangue e tempo e isso é meio ridículo, há muitas coisas com as quais eu não sei lidar, dezembro talvez seja uma delas. Estar com você é sobretudo esquecer de datas, gosto de nossos silêncios juntos, de nossas palavras também. Que esse ano a intensidade de nosso querer seja bonita como é, porque o nosso encontro de sorriso é um presente nessa passagem nossa aqui nesse espaço e tempo. Eu gosto do itinerário de ir até sua casa e de sua casa também, gosto do verde que me recebe antes de você, é sempre bonito. Passageiros cansados e suados de suas rotinas desembarcam abrupta e apressadamente nos pontos de ônibus, enquanto eu vejo o itinerário que te leva à escola, as ladeiras que foram estrada de seus primeiros passos longe de casa, a rua do colégio em que você viveu seus primeiros amores, a loja de doces perto da sua casa, as ruas que foram crescendo junto com você. Gosto também de observar seu altar literário, os livros que te fazem a cabeça, seus mil cremes para cabelo, sua pasta de dente que sempre está longe do lavabo, os chinelos brancos, a roupa de dormir e a escova de dente que você me empresta, e também a brisa que entra pela janela do seu quarto pela manhã. Gosto de atenta e silenciosamente ver todas as coisas que compõem você, dentro de sua casa isso é evidente,porque tudo é decisão sua: o lugar onde fica a canela, o açúcar, a farinha sempre longe, porque não é sempre que se come farinha na sua casa, salvo exceções em que eu apareça,seus inúmeros potes plástico que guardam temperos que transformas qualquer pedaço de frango na melhor coisa do mundo, seus tons azuis espalhados pela pele,capa de livro, colares, travesseiros, seu quadro bonito lembrando a cidade que te encantou pelo calor e luz.
Janeiro começou com um sol daqueles das praias cearenses, começou com a sua temperatura preferida, eu voltei para casa hoje celebrando silenciosamente a natureza do nosso corpo, o encantamento do nosso encontro, que tenhamos sempre e sempre saúde no corpo e na palavra para reparar, mesmo no meio do caos (e caos há e muito ao redor) que temos uma à outra e que nossa vontade converge numa poesia de sol, como fevereiro, como sua festa pagã que põe o mundo em festa. 
Te Tudo,Flor.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Um útero não é uma boa metonímia

Um corpo, um útero não precisa carregar um filho. Um útero e uma mulher em punhos. Acordada às 6:00 da manhã, corpo já vestido com a roupa de trabalhar, o corpo caminha lúcido para a lida da vida reta, atravessa uma porta,dois portões, duas catracas, de novo dois portões e uma porta, assina o ponto, a caneta bic azul soma mais um dia num papel sujo que não diz da dona do corpo. O corpo que caminha lúcido quer antes a dança que o passo adestrado, o corpo molhado entre as pernas espera a chegada da praia, chegado ao mar, o corpo é só radiância. Aos encontros das conversas das mulheres que fiam cabelos de filhas e rezam a ladainha dos maridos, esse corpo silencia e respeita, respeita com o silêncio e a solidariedade de quem também é corpo. A dança de cada corpo quando harmônica com cada grito sabe da diferença de quem habita cada espaço de carne. Os punhos de uma mulher não estão no útero, estão no fiar intenso de suas próprias histórias, no sangue de tanta gente que morreu pra dizer que a mulher pode, a mulher pode, a mulher fode, a mulher quer foder. O corpo da mulher não é um metafísica pagã criada por uma palavra masculina, nosso sangue escorre, como nosso gozo escorre, uma mulher tem tesão , uma mulher tem desejo, uma mulher pode tudo,um mulher pode querer ser toda,todinha de outra mulher.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

À mãe sem mãe

Ela me devora qualquer esperança de entendimento, porque comigo ela se mostra de verdade, e às vezes eu vejo um açude de rancor, muita ingratidão represada, mas quando sua ira arrebenta nunca estoura a barragem que a prende, não, isso não, ela  leva umas cercas vivas onde eu criava minhas mudas verdes de alguma esperança diária. Ela vai adoecendo de tristeza, enquanto chacoalha torrentes para arrastar minhas cercas, ainda que verdes são tão frágeis, tão cansadas desses arames que a represa dela me empurra, tem dia que desce rio abaixo uma bola de arame e as flores, que eu cuido tão diariamente e com tanto zelo,embotam, amassam o visgo e perde pétala. Ela ouve de todos as piores coisas, a falta de ética, a mentira, mesquinhez mais atroz, mas de mim, nada pode ser dito que não seja amém.
E assim vai se perdendo de novo o que foi para sempre pisado, as grandes dentadas que ela apertou na minha alma chega inflamam quando a represa anche. Essa semana mesmo minha carne tem mais dores que vida de tanto que ela fere, porque eu ainda acreditava no amor, mesmo quando ela desfez, ela cria umas correntes nos meus tornozelos, mas eu sei como quebra, é que a cada separação eu fico sem um pé, mas os tornozelos estão inchados de novo, eu tenho medo de salvar um  e perder meu corpo que levei mais de duas décadas para torná-lo unidade fora das correntes. 
Para mim, que sou irresponsavelmente de amor, é mundo doído quando a linguagem falha, quando a mesquinhez se infiltra e cresce uma nódoa podre nos panos que estavam quarando tão bem, nosso laço tava quarando, mas nesse sol de São Paulo é difícil de limpar, ela é triste por mim, eu sinto a espera de mais de metade de um século nas suas mãos, eu não quero magoá-la como todos os outros, sempre sofri calada desde a perda do meu pé, depois que arranquei a primeira corrente. Mas fui chorar num outro endereço. 
De novo, a mesma ameça da ausência, como se capitaliza fácil as relações de amor,meu deus. De quantas mágoas se faz uma filha? É feio como a tentativa de ser minimamente ética pode derrubar uma casa, desmascarar uma família inteira. 

quinta-feira, 30 de junho de 2016

céu

Esse semestre foi atarefado, tarefa era  nome que me lembrava terra, pai sempre falava em tarefa de terra, nunca soube direito a extensão disso,mas sei que envolvia valores, o semestre atarefado também envolve, ter a barriga cheia pra poder sonhar é importante. Mas mais, eu não quero ser a velhinha do filme que teve seu teto roubado. No último ano a responsabilidade do teto todo meu caiu nos meus ombros como uma bigorna cai na cabeça dos personagens de desenho animado. Quando eu assisti Amor pela primeira vez eu chorei, porque refleti sobre o que eu já sabia, das limitações do corpo, o desespero do amor que tem sua casa/corpo ruindo. Filme duro, filme de amor também, não desse ocidental e reproduzido, mas de outro, molecular, orgânico, que tem corpo, que cai , que tem rugas lindas e álbum de fotografia. 
A velhice pode ser linda,a velhice é agora. Só existe o tempo da língua sentindo o cuspe, a fruta, a água, só existe o cheiro de sabão em pó na coberta recém lavada, de carambola madura nas bacias que vendem na feira, só existe o tom indefinível do laranja do céu de hoje, só existe o barulho que escutamos boiando no mar,só existe a pele macia e quente de dentro das coxas de quem se deseja. Essa velhice é a velhice que eu quero, o caminho é todo dia, é todo gesto, é a tentativa de beber mais água de coco, de colocar gengibre na nossa comida, de ter mais sabedoria que letramento.
Essa alegria que vem atoa e nos cobre com laranja, com vermelho pôr do sol, de azul tinindo o céu, de neblina, chuva torrencial e sol no mesmo dia. 
O teto virá sem que sejamos corrompidas por esse tempo mesquinho que nos cerca, virá com as flores que nos aparecem quando começamos a reparar nelas, como as comidinhas que gostamos, e que agora multiplicam-se os pontos que as ofertam pela cidade. Virá sem que abandonemos amigos, sem que esqueçamos que mais vale ter olhos ternos e doces, porque é preciso tempo para que sejamos mais gente que valor/lucro/produção, que às vezes , aquele chiclete que demos ao menino que queria vender coisas no farol é muito mais importante do que uma aula que preparamos sobre sintaxe,Saramago ou Clarice. As coisas boas já são, são os desejos de nossas mãos dadas abrindo meses,anos, abrindo envelopes colados com tenaz e escritos com caneta vermelha e sobrenome nosso.
Flor, eu vi o céu,viver é bonito , te ouvir me dá tesão .
Observação:mesmo que você cante aquela música detestável do Raimundos.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Calor.

9 º C em São Paulo e as flores roxas sorriem rijas como meus mamilos quando encontram sua língua. O frio que congela minhas mãos e pés traz uma luz mais funda e dura no cimento de velhas calçadas da cidade, calçadas verdes de musgo e duras de lembranças esquecidas, quantos amores começados em beijos gelados de chope nas calçados e bares dos bairros boêmios. Esse frio me convida para dentro da sua saia, a meia calça preta escondendo suas coxas roliças acendem desejos e atiça a urgência das minhas mãos, a cidade hoje ficou coberta de homens e mulheres de tons graves, eu pensei no casaco que você possivelmente usou hoje, tentei adivinhar a cor, a textura e seu cheiro doce encontrando a gola do casaco onde seus cachos recém cortados exibem um brilho que dança junto com seus dentes. A cidade tomou um banho de luz fria hoje e eu tenho 90 redações para corrigir, mais de 4 números para ligar e uma bibliografia pra ler, mas nada disso é tão pleno, largo e fundo quanto esse tesão aceso ao mais simples vento que roça meu pescoço trazendo lembrança de teu hálito.