segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Todas as mentiras do mundo...




Porque precipitar as coisas verbalizando momentos, antecipando reações?. Nada mais natural e preciso como os gestos. Há coisas inexpressáveis e estragamos tudo na tentativa de dizer bobagem, precipitadamente damos, choramos e tardiamente rimos da imaturidade nossa de cada dia.
Isso de certo tem porquê, tememos perder a hora, tentativa vã, não acertamos.
Confesso errar todo dia, desaprendi meu papel, perdi o script sem antes decorar, desconfio que não aprovaria minha fala.
Falho tanto por preguiça de aplicar teorias ancestrais que ainda funcionam, talvez eternas, não sei. Posso me perder se seguir alguém e ser livre dói em algum lugar.
A pessoa que mais me ensina ultimamente tem menos de 3 três anos. Numa tarde cinza me disse:_É estranho como não tem chuva nem arco-íris, só ventos. Me entende tanto, se tivesse mais uns anos pra tomar uma cerveja comigo e discutir a morte da matéria e a tentativa vã das relações amorosas enquanto carne, arroz , feijão e boletos bancários, instituto do amor pré-datado e sem garantia...Gastaria tempo a falar bobagem.
Ando questionando tudo, não encontro nem uma palavrinha convincente, só as palavras cínicas dizendo seu teatro metafísico.
Uma borboleta virou advogada e promoveu uma reunião urgente pra tratar da crise das cores em 3d que afetam o mercado biológico das tinturas confeccionadas sob encomenda.
Uma delas, num revoar estressado, disse:_sou contra o preço abusivo adotados pelos nossos empresários. E propôs o projeto que sugeria a todas as borboletas usarem o cinza sem graça como forma de protesto. Projeto adotado e aprovado.
A natureza das borboletas agora é cinza, muito tempo depois, ninguém sabe mesmo desse porquê mais tudo que se sabe é que é cinza.
Quando sei quem sou, o que sei afinal? .Dúvida Pessoana. Delícia enlouquecedora das minhas noites mais noites, de dias noites. Meus livros empilhando meus conceitos esquecidos na minha rotina cansativa, cansativa sim senão não seria rotina.
Tão estranho pensar no que seria se assim não fosse. Mãe-mulher, porra louca errante, menina certinha, se menina?. Incrível como cabem todas em mim.
Texto desenredo, vacilante como meus pensamentos em dias de sol, lembrança de coco verde, braços fortes, bermudas e pernas de fora, rio. Cachoeiras e cachos.
O rapaz ri, eu sou rio e quero mais é ser enchente em sua vida. Faço questão e força de derrubar essas árvores bobas que lhe protegem , bobagem vem comigo que te levo, te lavo e te cheiro e vai ser limpo, vem que é mais fácil do que parece.
Quando eu era pequena era grande e tinha fé.
“Não há significado há existência” Essas são as cinco palavras mais lindas de agora ,provemos elas então com café, uísque, água ou o que preferi, mas provemos AMÉM, AMEM.
Quando abri a porta hoje de manhã , como nos últimos anos não havia ninguém lá, e como haveria de ter ? moro só. Me joguei na cama, acordei com uns raios de sol me esquentado o rosto , carícia boa de pós balada. Se não tivesse bebido preservaria ainda o gosto da boca dela na minha, um batom com um gosto cítrico ou teria sido o meu? Não. ontem usei o de morango, meu preferido. Dormir um pouco que mais tarde a rotina volta.
Às 16:30h o Serginho me pega, irritadamente pontual, ele chama meu nome enquanto conversa com a vizinha que acha que ele é um bom rapaz e vive puxando brasa pra sardinha do Serginho.”trabalhador, de boa família e gosta de você, você tem sorte minha filha” ela diz enquanto levamos o lixo até o portão todas às quartas..Eu sorrio e pergunto da última fofoca televisiva, nada é mais interessante para dona Marta do que o último bafafá da novela das oito e assim eu me esquivava de perguntas para as quais não tenho respostas precisas. Ontem antes de combinar com a turma a balada no centro pensei no Serginho. Melhor deixar que descanse, trabalha demais, não deixa de ser verdade, embora uma conveniência para mim é claro.
Mas ontem enquanto bebia uísque com pouco gelo Serginho não existia porque não cabia entre as luzes coloridas, as coreografias gays do Alex e as plumas amarelas e rosas de Claudinha. O blues pensado da última hora de balada fiz os corpos se acalmarem, se atrairem e com o mundo, pois sim o mundo, na quinta dose de uísque você acha que a balada é o mundo, conspirando ao seu favor, a boca só segue seu destino pré destino na outra boca que pode ou não ter batom, o rosto pode ou não ter barba, pode ou não ter blushe. Pois bem não tinha barba tinha batom e daí??!
Essa é a Renata.
Renata com freqüência saia, há dois anos namorava e traia o Serginho e há dois anos ele fingia não saber, encontrou o amor, diferente de Renata que oscilando entre calcinha e calção só descobriu sua bissexualidade que nada disse também porque é fácil e natural .
A moça acredita que o mistério que procura só encontrará no amor. Quando Serginho adverte sobre seu apetite sexual, ela sentencia a sua frase preferida, da sua autora preferida “o sexo é o susto de uma criança o inferno mesmo é o amor”. Depois de sair pra dançar com os amigos dizê-la é o que ela mais gosta de fazer e diz com a propriedade de quem não a conhece.
Comprou esmaltes pretos hoje e pretende experimentar uma balada gótica na semana que vem com o mais novo vizinho do sobrado. Ele parece com seu irmão e houve um interesse fraterno mútuo quando trocaram figurinhas levando o lixo pra fora na quarta feira. A dona Marta mudou-se e Renata ficou feliz por não ter que ouvir fofocas televisivas.
Porque Será que os janeiros nos fazem mais descrentes do que de fato éramos ou é só uma sensação niilista assageira típica da minha idade?.
Ontem foi dia de natal e eu não tinha fé porque havia fome nas ruas e havia gula à mesa, porque havia frio na calçada rica da cidade cinza e enquanto um morria de amor outro se masturbava sem remorso e porque a vida é a profecia de Zaratrusta sem super homem e com o eterno retorno.
Quando os anos findam as promessas surgem, tudo o que de fato não faremos é planejado com uma certeza cega de que não cumpriremos.
Nostalgia boba do que nem tivemos.
O Trianon fica mais iluminado e os casais são fotografados. Ali próximo a estação de metrô Luzia pensa em Carla e não entende o porquê dela ter agido assim de forma tão estúpida, lembra dos segredos ditos e ouvidos nas tardes de segunda-feira, no café da esquina. Milhares de homens na cidade e Carla deu logo pro Bento,” Bento é meu”, pensa enquanto esbarra nas pessoas que vão cegas em direção à estação.
Parou numa farmácia comprou uma barra de chocolate amargo e saiu sem esperar o troco, seu celular toca, é a Carla mais uma vez. Hesita, evita e no último toque não resiste, atende e dispara:_Você é uma vaca, o Bento Carla?!.Desliga ,guarda o chocolate na bolsa. Entra no boteco da esquina e pede vodka. Desliga o celular e oferece olhares de promessa pros homens que a observam. Já sem saber que cédula entregar no caixa resolve ir pra casa e segue pra estação onde decide nunca mais confiar segredos às pessoas.
É sábado e Luzia tem a boca amarga e a cabeça pesada, mais o que mais dói em nela é o buraco no peito.
Há flores na sala e um bilhete dizendo;”Meu amor é seu,eu tava bêbado e ela também,me perdoa amor”.
Luzia liga pra Bento, vão ao shopping, comem um lanche feio e frio,têm uma conversa quente e nervosa e entre flores e pulseiras Bento trás uma aliança e Luzia dá o sim, à noite Motel e no resto da vida cinismo.
Fingem confiar um no outro e a vida parece uma coisa boa porque tem as flores como desculpa e um motel como perdão. Luzia agora compra chocolates com regularidade nas sextas em que o Bento se demora no trabalho e lembra com certo aperto no peito por que não ficou no bar naquela noite e abriu as pernas pros homens que a desejaram. Como a resposta não chega, hesita e todos os dias vai pra estação de onde nunca mais saiu e é feliz, acredita.
Para amenizar a solidão

Assim começa tudo que quer ser falado,que é calado,cálido e forte,não quero objetos,quero gente,dente, sanidade de enlouquecer,poesia que dói,literatura que perturba,comida que engorda,amor que excita,contorce,morde e adormece.
Buscando um apego,dengo,apelo,peles e amor ;sigo armada de amor até os dentes,sorrisos óbvios,e díficeis de explicação,
Dores são inevitáveis,amores são sempre únicos,caros e irremediáveis.
Tudo crescendo todo dia,o velho da esquina morreu,há uma nova música tocando no rádio,eu vou passando na eternidade do tempo
Preciso ir à igreja,ou a um terreiro,um templo agradecer esse tesão intenso que é viver,ter os sentidos espertos pra deixar-se sentir.A vida assim inteira na suas dores na sua arte,acordes soando fazendo carinho em mim,um chope gelado com gosto de beijo e promessas de carinho safado;a alegria de uma entrega inteira;de bandeja pra vida;crua sem acompanhamento,numa sempre presente fé na vida,em um amor,um amigo e quiçá promessas de amanhã, 19-01-2008

Frutas...

Ontem foi dia de feira e as frutas podres ainda estão sujando a calçada, ontem foi dia de sábado e a moça triste assistiu a novela e dormiu imaginando uma transa demorada e selvagem com o rapaz da padaria, mas adormeceu lendo um livro de auto-ajuda que não a ajudou, não tanto quanto o rapaz da padaria teria ajudado.
Ontem falaram no jornal sobre a legalização do aborto e no mesmo instante uma moça gemia com dores, lágrimas e sangue. Aborto acontecendo num banheiro público de uma rodoviária no interior do Acre. Uma senhora gorda e católica dizia de como a legalização do aborto trairia os valores morais dos bons cidadãos brasileiros e enquanto isso sua filha Isabele transava na sua cama com Luís Eduardo, 20 anos mais velho que ela.
Ontem eu terminei de ler o livro preferido do meu ex-amor, fiquei pensando de como eu não me interessava por sua leitura, falávamos do assunto comum do jornal, o aborto era o tema enquanto eu comprava camisinhas na farmácia do bairro. Nos últimos dias pensei em parir e abortei essa idéia por medo. Melhor diminuir as dores da vida e a existência dói. Fazer e parir alguém deve de ser a alegria mais assustadora que se possa ter enquanto mortal findo.
Ontem ela me ligou pra rir de minha dor, eu era vilã da minha estória e quase acreditei que tivesse fim nossa crônica suja de cidade alegre e tintas cítricas e mornas de um passado esquecido como objeto no achados e perdidos de uma rodoviária no interior do norte ao norte.
Fiz um pacto de não amor com todos os corpos que se deitam comigo porque difícil é saber o que é amor quando se tem muito tesão de fato e tão dolorida como uma dor de amor é a saudade de um corpo amigo cúmplice e já conhecido.
Tenho tempo pra admirar o sol quando há sol, ando pensando em decorar poesias eróticas pra apimentar o jantar enquanto troco o café por cachaça, não sei ainda como trocar de amor e penso que isso é o ingrediente que falta pra minha receita render várias porções e é por isso que não há jantar em casa quando chego nunca estou e então só pipocas e café, que se tenha amor. O amor é uma formiga, o amor formiga e formicida. Amor é um prazer involuntário e sexo é o contrário, voluntário.
Separar amor de sexo é uma das coisas mais inteligentes que os homens fazem com mais freqüência do que nós. Não que não façamos, sei, mas pensamos muito pra fazê-lo então essa tensão involuntária atrapalha um pouco.
É prático demais pra ser feminino, somos de assuntos mais densos e sexo é fácil demais pra que nos interessemos em separá-lo do amor, isso não é bom, é nosso e não sei como mudar só sei que não é prático nem útil uni-los dessa forma a ponto de ter uma unicidade ideológica que lemos em romances melosos, eu sei de como está intrínseco em nossas crenças de açúcar, no entanto nem tudo que nos é natural é bom.
Por isso meu pacto tem como meta meter na minha cabeça que amor é uma coisa diferente em física e metafísica de sexo e nem sei de que me servem de fato hoje nem um nem outro, mas para melhor entendimento separá-los primeiro essa é a meta pra matar o mito feminino e entender melhor os meninos em sua praticidade desinteressante e útil.
Por que há partos, porque há sangue e não é pratico ser mistério e não é fácil ter amor e peitos com leite e vida com arroz, feijão , sangue e TPM. Ser mulher é ser tudo ao mesmo tempo e não há mistério maior.
Temos o prazer e a vida entre as pernas, e quem não quer carinho e cuidado? essa tal liberdade feminina de que se fala na T.V.? A única liberdade é de abrir as pernas e se sentir moderninha por ter um direito ancestral, primitivo, animal e comum.”As possibilidades de felicidade são egoístas” já cantou o amado Cazuza. É uma grande mentira esse papo de liberdade porque há a entrelinha do preconceito.
O que é sexo pra quem sabe que pode ter bem mais? porque qualquer um consegue orgasmo sozinho com um pouco de prática. Insisto em dizer que é bobagem porque há mais metafísica na nossa cabeça do que em todos os mantras hindus e também porque precisamos de densidade e teatro , nossa bipolaridade quer ter numa noite uma performance sexual tão perfeita como uma puta experiente e uma vontade de ser mãe tão pura como uma virgem e por isso enlouquecemos os homens e temos razão de certo mas nosso raciocínio é oblíquo e não há pensamento mais reto do que um pensamento masculino .

Frida

Frida


Bons filmes são sempre uma boa opção de programa.Quando o tempo parece invernar e a preguiça se aloja no nosso corpo tão inevitável quanto essa vontade de pipoca e de brigadeiro feito na panela,vê um bom filme é "tudo",na dúvida do que assistir pensei,pouco pois a preguiça já me dominava,por que então não rever?!e assim passei minha tarde fria com a FRIDA,tão pulsante quanto sua arte!Frida era antes de tudo romântica, no sentido mais agudo que a palavra possa trazer, tinha sempre esse sentimento e basta um olhar mais atento, um olhar de domingo de chuva, é a dor, a dor que passeia pelo filme que evidencia o quanto um amor de verdade é inexorável, e desedificante. Amor à arte e antes de tudo amor à vida, esse último só faz sentido com um amor na vida; grande fascínio que o filme exerce paira por essa grandeza de ser livre que FRIDA vive, sofre, sorri e chora; a vontade de vida, fome de sentimento, um banquete cheio de intensidade, acaba-se até acreditando no limite de viver como se fosse "agora" o que é amanhã, viver amanhã todo dia, há algo mais assustador que poder ser "FRIDA" medo e vontade o extremo das coisas, como Raul "faz o que tu queres pois é tudo da lei ",a vida é breve, mas nosso sonho não tem ponteiros, nunca soa, sempre voa no ilimitado; Penso às vezes tem que existir um lugar pra tanta abstração tão necessária à fuga da loucura! livros e quadros são insuficientes, a cidade deveria cobrir-se com tintas falantes, muros cobertos com poesias de um amor a nos falar de uma dor comum, que nunca é igual, é feita de diferença, a alma de FRIDA é ainda mais marcada que sua pele, as cores são o escape de seu amor tão pesado!
Hoje desejei uma gente mais gente, pra escrever em papel que tenha cheiro e aroma, memorizar Drummond em troca de um beijo morno com gosto de promessas.É uma pena que essa loucura de acreditar não ataque a todos, viver com mais vontade, desimportar com o amanhã!
Queria derramar a poesia dos livros na noite fria da cidade, dá palavra a quem tem solidão, fazer nascer imaginação, escrever história pra quem quer esquecer que tem uma ou, sei lá, pra lembrá-lo...
Mas, contudo, todavia, era a FRIDA o foco, bom filme é mesmo assim disperso, desprende de foco, joga a gente num poço de possibilidades de pensares e o que não vale é descartar esses pensares e acabar por não levar nada do filme! só é perdoável essa desatenção se no escuro do cinema, canto do quarto, sofá da sala ou algo assim, esteja fazendo história, amor, vontade...e coisa que não cabe pensares e tanto pensamento chega a exaustão a tentativa de qualquer entendimento,afinal como diz o "Fê "não há significado só existência"então é só ir nessa e existir nos mais diversos lugares...buscar razão é de enlouquecer qualquer criatura sã!Antes de tudo exista inteiro onde quer que vá, fique são, com existência apenas, pelado de razão ou entendimento

Semáforo

Semáforo

A sensação do teu corpo e o peso do seu braço sobre meu peito ainda estão aqui...
Essa noite meu olhar se perdeu sobre teu corpo e enquanto você dormia eu insone e em transe tinha você diante de mim com tanta precisão que até chorei em silêncio.
Respirei o seu aroma, sua boca com cheiro de sorvete de creme, senti o calor do seu corpo morno , o seu sono tão plácido. Eu não dormi todo o resto da noite olhando você em pele, no instante em que olho tenho a estranha certeza de que você é a única coisa que existe e estranhamente o resto do mundo desaparece, é como se nunca tivesse sido. Eu mesmo não existo, me dissolvo na magia de olhar e sou só cenário pra magia de sua existência.
Eu já sei de suas cores claras. Se você soubesse o quanto contemplo você, nem sexo é tão bom quanto olhar você dormir, é meu ritual, é símbolo de minha devoção diante das coisas que sinto. Só assim me emociono sem hesitar diante dessa dor que é você, choro e te abraço enquanto a noite nos cobri.
É fácil ler poesias do Drummond e me achar a pessoa mais feliz do mundo, quando saio na rua não vejo semáforos, só vejo as flores amarelas de um terreno baldio perto de casa e a vida é simples como as tintas no muro, como céu e mar e como não seria se à noite tem seu cheiro, sua força e seu sono pra minha cura do mundo e das teorias falidas e inadequadas? As metas, os medos e os males são palavras o que são palavras diante de você? Ah se as pessoas que cruzam comigo na rua, que trabalho , que conheço, se soubessem de você, e se você soubesse de tudo que sinto, sei que nem sonha e tão pouco percebe meus sentimentos e assim é melhor. Mas o que me invade é a vontade de partilha de toda essa coisa boa que acontece dentro de mim. Penso que isso resolveria todos os problemas do mundo: As crises existenciais, a política de pacificação da Palestina, a sustentabilidade dos países em desenvolvimento e até a cura pra todo o mal do mundo. Mas eu não sei como isso nasce. É um mistério. Dói dentro de mim, eu quase sufoco com tanta coisa. Como pode existir de fato coisa tão difícil de ser dita? Porque entre as poesias mais belas não há a palavra justa pra de fato dizer-te.
O dia é calmo e sem grandes novidades e a noite chega prometendo seu cansaço e seu cheiro de sorvete de creme.
Os pratos na pia, o filme que diz de seu gosto me interessa, assim como me interessa sua página de jornal, seu suco e seu chá. Entro no seu universo como você entra em mim.
Seu chinelo perto do meu e seu jornal em cima da minha revista. Às vezes a gente parece casal, será que já somos casal? Não. é bobagem minha, é magia das sensações e eu não gosto mesmo de definições. Por enquanto eu só quero chorar seu sono como meu ritual sagrado e santo de te olhar, pois enquanto vida tenho as flores que saltam aos semáforos, as luzes que enfeitam mais do que clareiam, e as cores da cidade cinza. Será importante ter palavra, ter hora e data? Não. Prefiro não ter planos, as instituições matam a vontade e a dor de te ter pode se transformar em solidão.
É noite e não tenho você comigo como nas poucas noites que pareceram a eternidade.
Hoje eu não temo a morte porque é como se a vida não fosse vida e haverá nas ruas só semáforo.

A cidade ferve

A cidade ferve


Quando estava hoje pela manhã. Tão incerta como o céu paulistano e o seu cheiro me invadiu o olfato, me sinto tão “instinto” quando isso ocasionalmente me acontece. Não estive hoje pela manhã, viajei um “bucadinho” como de praxe. E não foi saudade o que senti, foi alívio e alegria de ter vivido algo tão místico para alguém tão descrente.
Engraçado. Será isso estar de fato entrar na vida adulta? ter maturidade? Penso que às vezes que é esse colecionar cheiro, tato , lembranças nos bares e cinemas. A cidade inteira contando estórias que inventei com pessoas que hoje podem estar aqui ou na Ásia.
Mil e um cenários disponíveis, roteiros possíveis. Mas observar o caos tem de suas delícias pela força que a imaginação me pede nessas horas ”dai-me luz Senhor do tempo, nesse momento maior...”Cantarolo enquanto o trem não chega, enquanto perco a hora todo dia. Esse eterno estado lúdico em que mergulho todo dia. Ontem um pássaro negro pousou no muro do meu quintal e ficou por ali como se tivesse coisa pra dizer e hoje quando acordei sem roupa, sem memória e sem você, pensei que fosse conto Machadiano, não fosse a verdade da luz do dia me cegando os olhos enquanto a água fervia , a cidade fervia, a cidade fedia.
Ontem me falaram que a solidão não é saudável e que o amor não é tão importante quanto a cotação do dólar no mercado. Sempre me falam do que de certo e de errado eu não quero mesmo ouvir, deve ser alguma política para a estabilidade financeira da especulação imobiliária.
Mas enquanto a água fervia e eu pensava no pássaro eu pensava também no tempo que faz conosco o mesmo que o fogo faz com meu futuro café. Tão óbvio tão tempo. É bobagem pensar nisso enquanto o ônibus passa, e o trem parti enfim.
Assim enquanto o curso natural das coisas acontece, você acontece em meu quarto, sala e cozinha, e eu mais uma vez deixo o trem, o ônibus e a cidade que ferve porque o pássaro quis me dizer de você e eu ouvi meu bem, porque há cenário, há roteiro e temos corpo enquanto almas perdidas porque bússolas são ilusão e teorias são as coisas que estão lá fora na cidade que ferve. Ainda com fôlego pra novamente ter memória de cores, de cara e de graça, com graça pra nossa estória que pode ser azul como a chuva pesada que promete cair na cidade.
Hoje será a surpresa que confunde os sentidos, estive no seu corpo, estive em seus sentidos. Suas cores são claras e plásticas.
Hoje também teremos o mundo como inimigo, a família como campo minado e aos amigos como aliados, porque lá fora o mundo ferve contra nós e teremos presente, porque o que se tem é sempre presente. Temos pássaros mensageiros, um quintal e temos café. Temos sobretudo e sobre todos corpo enquanto almas perdidas. Perdidas.
Mas ontem tínhamos só lembranças. Hoje nos temos, não tememos. Temos a água que ferve amém.