sexta-feira, 8 de junho de 2012


                                      O medo de dizer da  fundura das coisas.

                 
                  Eu não saberia dizer, onde foi mesmo que eu fiquei com esse olhar perdido, e eu nunca consigo fechar os olhos diante desse fermento todo. Os pares todos vão cerrando os dias de chuva.
                   Sentei sozinha num café e um homem largo e branco me apontou uma interrogação bonita,  que me afligiu e me entristeceu, as pessoas  me entristecem, me lançam palavras vãs...Me interrogam, são bonitas, têm vida, têm histórias, coisas especialmente suas, eu não tenho, eu vou morrendo sem saber dizer. Na faixa de pedestres conto os pares, enquanto o farol  abre, vejo homens ,vejo mulheres,  ontem vi uma mulher feliz, riu sozinha e retocou o batom enquanto o farol não abria. Uma outra mulher atravessava a faixa , segurando a mão da menininha ruiva, a menina estava feliz, a mãe não.
                    Nas ruas os contratos de felicidade vão se desfazendo, as caras de preocupação, de raiva, vão virando sono nos bancos dos ônibus, vão virando atraso, promessas pra semana que vem, aquele café no domingo,  aquele caso das antigas, aquela vontade de repente retomar o gosto de inverno. Eu sumo, normalmente, sem palavra nenhuma, gosto nenhum. Eu perdi alguma coisa, eu ganhei uma confusão, eu vejo as correntes, os contratos, as mentiras com drinques caros, a coação que o tesão pressupõe, o medo de dizer da  fundura das coisas , repouso o olhar no caos e me lanço em desafio para enfrentar a rotina, a mancha no vidro, os pratos na pia, as cartas já amarelas não mentem mais. O dinheiro, as passagens, as roupas, os livros, o espaço, a tinta, o pão, o leite, todos esses são calculados, creditados, pagos, ralos, e a doçura perdeu o rumo, vou ficando feia. Abandonei o olhar num ponto de interrogação eterno.
                 Cada dia um susto, uma nova cor, uma violência, um dia de distância, corpos que não se encontram, copos sempre cheios, poesias  nos perfumes de tantas moças que passam, as palavras-laços enfeitando as noites de música, de  cintos, cinturas, zíper, café puro, energético, eu,  só,  vejo. Sem par. Há uma raiva de certas coisas não ditas, há vontade de força, de corpo, de sangue, de unha, abraço,  cansaço, beijo e sangue, poesia e sexo, as correntes são aço, aço, aço. Um dia serei vítima de um grande afeto sem aço, sem corrente, os corpos se encontrarão, o que  no  fundo é mentira. Pena.

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