sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Janeiro.

Calor e chuva saudaram o dia primeiro, e de tanta fé coletiva virou rito de passagem, e importa para os olhos voltarem-se para o que foram aqueles dias todos ditos ,agora, do ano passado.
 Cores brancas e desejos escritos em camisetas, no céu, nos olhos,nos beijos,acreditar é a ordem.
Eu desejo, mesmo,mais simplicidade para viver no mundo,porque não é simples não. Não ter ódio é um esforço de quem tem amor, porque quem tem amor é o tempo todo violentado pela ordem do mundo que é de guerra e morte, quem tem amor fica atônito, fica zonzo de como as coisas básicas da vida como comer , gozar,dormir, são tomadas à força por uma crença caduca que molda e amputa os direitos de quem, tomado o discurso, foi excluído de gozar seu próprio corpo, quem não come, quem tá na rua, quem tá preso por tijolo e cimento e vive o auge dos nervos encarcerado.
Há tanto sangue e lágrima na parte mais pobre da cidade, as lágrimas das mulheres que dormirão todos esses dias de ano novo no sereno,dos homens descalços.
Mas a simplicidade também é difícil quando há o desenredo do peito:as tensões familiares todas agudas como cólicas renais,há luto ,há silêncio, há promessa.
Que haja saúde no corpo e na linguagem,porque eu quero as coisas boas do corpo e da palavra.
Quero, de mãos dadas, de Flor, transbordar as coisas simples,  comer, cheirar flor, cozinhar comida, pisar pedaços novos do mundo e estar, gozar o corpo no outro corpo, e nos silêncios que valem mil poesias dizer em abraço o que as palavras, cheia de conjunções,de predicações, mentem porque não alcançam, as palavras não sabem como  meu corpo depois de tanto gozo quer dizer,nem como eu me sinto quando num instante curto, que minha memória fotografa, eu vejo uma mulher iluminada de gozo com o mar aos seus pés, com o mar entre as pernas. 
Entender as espontaneidades das coisas que simplesmente são não é difícil, não há nada para entender é olhar é olhar e agradecer.
Há muita poesia no mundo, despir o olhar e gozar o mundo.
Insistir em ser,mesmo nesse mundo tão tumultuado e repleto de soldados do mal.
Não vou à guerra.
Apesar dos convites multiplicados, não vou à guerra.Não ir à guerra é tanto uma covardia como uma provocação,porque o sangue virulento dos que imprimem ódio quer comunhão, quer ver a calma com um facão cego na mão. Quem já não tem tento para se encontrar  não quer senão confronto, conflito.
É uma provocação insistir na crença das coisas frágeis,como a rosa amarela morrendo na terra molhada, ou como uma rosa desabrochando alaranjada no meu quarto, é mais fácil apostar na guerra, o ódio foi racionalizado e legitimado como única possibilidade de acerto, são os que proferem "foi sempre assim". 
Que seja um ano de saúde do corpo e da palavra.