segunda-feira, 18 de maio de 2015

Porque.

              É porque com uns dias a mais eu vou ter tempo de comprar umas meias novas para vestir embaixo de meus vestidos coloridos, vou também finalmente achar aquele trecho de Memorial do Convento pra ler para você, vou procurar os cartões de memória de minha câmera e fotografar você vestida como uma personagem do Tarantino, do Almódovar, vou ficar atoamente perdida nessas suas sardas engraçadas, tenho uns silêncios longos carecendo desse seu jeito de abraçar que parece me apartar das coisas ruins.
             Eu prefiro silêncio à repetição dos números para comer, para vestir, para morar, para medir o sangue, a água. A agulha sempre pronta a apontar erro na contagem da dor.
              É porque com uns dias de folga , podemos ir àqueles sebos da praça João Mendes e encontrar gramáticas da década de 20, prefácios com dedicatórias usando mesóclises , e até marcadores de textos antigos contando histórias de casais apaixonados jurando amor e melindres dentro dos livros agora amarelos de tanto tempo passando do lado de fora da rua.
                É porque com mais tempo livre para estarmos de olhos irrigados da doçura que esses encontros dão, talvez dê tempo de finalmente assistirmos ao filme de Fellini,
              Na hipérbole das cores translúcidas das borboletas pouco vistas, no copo de vidro transparente e vagabundo com o gole de café preto que eu te levo de manhã para te acordar com minhas línguas e meus olhos tomados pelos seus olhos miúdos ainda sonolentos, na intenção dos gestos querendo encontro, na dilatação macia de teus músculos dizendo sim, na doçura das tuas mãos me invadindo a nuca, esses encontros  sou eu dada à teu desejo intenso e contínuo.
           Se eu pudesse fundava um feriado hoje ainda para fazer o sol nascer a noite toda, pudesse, rasgava o livro de ponto, jogava fora  os boletos, os números, cessaria a  sintaxe frágil dos diálogos mal ditos e falava das paixões que alimentam as revoluções, pudesse, eu faria tudo para roubar você pra mim.

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