domingo, 16 de agosto de 2015

"Abraçar e agradecer"

             Agosto todo amarelo, nome assonante como minhas palavras preferidas. Flores amarelas com gotinhas vermelhas vieram alegres das mãos dela , foi presente. A imensidão do mês de agosto, que tanto irrita paulistanos apressados, não se precipita na contagem dos dias,mas alonga as coisas bonitas dentro do peito. Sábado à tarde, deitada naquela colcha de retalho, no silêncio daquela grama do parque, ela achou um cabelo branco na minha cabeça, bem na frente, eu sorri sem pressa, porque eu estou contemplativa, eu estou. Vi notícias tristes na televisão e fiquei com o peito apertado, tomei vinho bordô barato e comi torrada com doce de leite, conversamos e no meio das palavras e dos rostos, senti a harmonia que o tempo engrossa nos afetos, aquele homem barbudo e menino veio para nos ver e falar e ouvir, a cidade de São Paulo assiste aos vincos no meu rosto e aos meus olhos amolecidos das coisas bonitas que a vida dá.               
                   Esse ano tenho aprendido muito de mim mesma, do meu apego ao meu corpo, onde sou,de onde  falo, mas na calmaria que não veio sem dor, vejo milagrar orvalhos de mulher. Vi um homem bruto chorar soluços desmantelados que chamaram meus ouvidos atônitos para a confusão do mundo.  Senti a calmaria em minha unidade, e senti a modéstia e a generosidade de não querer parir, é egoísmo ser mãe. Eu comeria minha cria com os olhos, esses mesmos que veem o mundo sem cercas e arames, essa coisa bruta de parir é um magnanimidade que foi apodrecida pelos estatutos ,pelo sangue nos olhos que todos nós carregamos, deve ser ,também, dessa truculência que Clarice fala.           
               Eu quero mesmo uma simplicidade vagabunda que não sabe o nome das coisas e por isso,inventa-as mais bonitas, mais coloridas. Eu divido meu silêncio e minha confusão com ela, ela é uma mulher que invoca um mar no meu peito, água querendo fluir , fruir os mistérios dos seus olhinhos miúdos que brilham e gargalham risadas de dendê e pimenta. Seu corpo : visgo, carne, relâmpago e desejo, fúria e febre de mulher, de vestido , de rendeiras costurando contos do mar, seu corpo é. Dividir as minhas frases que ficam querendo fim, umas nem tem, ela sabe, conversas bonitas que se fazem às vezes com a respiração e os olhos rentes: pupilas acesas em encontro, tudo isso é uma coisa que é linda. A comida, o sal, o café, o alho, a escolha da rota do acarajé ou das férias, o livro enfeitado com as letras que me escrevem cartas.      
                 É dela meus olhos, meu desejo , minhas cartas ridículas com palavras e desenhos esdrúxulos. É para ela que eu conto o medo da loucura legitimada pelos imóveis, pelos móveis. A vida simples nas cidades calmas e quentes, os becos, as vielas, os P.Fs dos bares de tantas periferias, os sambas de roda do centro, o livro novo do autor desconhecido, a palavra bruta dos homens de deus, a cerveja, o pesar das notícias de violência, a compaixão sentida pelos alunos, o medo das sementes do mal, a alegria da comida gostosa, do encontro amigo, a secura da academia, com ela divido o mundo visto, o espaço do guarda roupa, as dúvidas, o medo, a mansidão, a preguiça, o gozo.     
          Meu intento de palavra e corpo é dela.Flor, obrigada por pela estar, tua presença é presente todo dia.