segunda-feira, 26 de outubro de 2015

"Mas não subiu às estrelas, se à terra pertencia"
           Quem leu Memorial do Convento certamente reconhece a fundura desse chamamento. Invocando a vontade que sustenta as estrelas, Saramago faz rebuliço no peito de quem se entrega à leitura além do símbolo, quem também  pinga seu sangue fazendo cruz no peito de Sete-Sóis.

          O que se quer tanto com tanto conto? É tanto papel para preencher que há quem estando nu se amedronte diante do silêncio potente que o corpo é. Os olhos dela de manhã são dois infinitos de fruta pequena e doce, o corpo é a força onde suas tempestades todas se assentam, quando meus dedos passaram sobre e entre seus cabelos, agora curtos, eu vi e quis que minha mão,velha,  sinta a mudança de seus cabelos, de corte, de cor, tingidos pelo tempo, pelas longas horas estudando apaixonadamente essas cismas que a faz  precisa ,afiada e dona da linguagem, com batons e lenços e anéis e colares. A cidade fica pequena perto da sede de sereia que faz e fisga canto.
         A cidade toda resplandece nesse outono inconstante, ela ergue, com um sorriso de sono, uma bandeira à dança dos corpos que se dão bom dias fundos, como uma raiz revirada depois da chuva, como o cheiro de mato quando caem árvores na sua rua.
          Celebrada a linguagem, eu invoco silêncios para tecer uma cortina de búzios, conchas, um lençol com a vibração das cores dos corais, uma rede tecida com as histórias de ilhas desconhecidas, eu arrasto uma tarrafa de peixes prateados que são nossos retratos pelas ilhas que desconhecíamos, eu chamo Noel,Cartola e Pixinguinha , eu convoco tambores para chamar os olhos dela para mim.
         Eu fabrico sete-sóis e uma nuvem que faz voar .

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Quando eu era pequena.

Eu queria mesmo era aprender a nadar na barragem onde só os meninos podiam ir no final do dia, as meninas só iam de manhã pra ajudar as mães a lavarem os pratos, mas meu irmão me levou e eu aprendi com ele a nadar, isso depois de tomar muita água e puxar forte meu fôlego, aprendi também a pescar ,mas eu preferia ir à noite , porque me atraia mais a lua do que os peixes,mas meninas no rio à noite pouco se via, mas ele me levou mesmo assim, mesmo ficando com um bico enorme quando seus amigos davam em cima de mim.
Quando eu era criança eu queria matar passarinho que nem ele, mas errava as bala de badogue e ele ria.
Fui então pegando gosto por fabricar balas de barro do tangue de pai, e das balas fiz fazendas e das panelas de mãe fiz uma bateira pra tocar com uma banda imaginária que nunca tive, fiz das tampas da panela pregadas nas estacas de segurar o varal um volante de um carro, e um dia com Diguinho pendurado em minhas costas quebrei o muro feito mais de terra do que de cimento ,assim com muitos feijões hoje tem mais caldo do que grão, o tijolo quebrou e caiu na cabeça dele. 
Vivemos assim a infância descobrindo o amor nas tensões de pregos enfiados nos peitos do pé e no silêncio da lua, Arlindo me ensinou muito de adulto sendo criança,quando hoje eu sei nadar por essas alegorias, descansando numa pedra submersa no rio eu vi o céu de um jeito que quem num sabe ir até num vê. 
Hoje ele tem filho que diz meu nome e minha infância revive nessas arapucas que ele ensinou o menino a fazer nas últimas férias.
Quando eu era pequena eu via pouco tv, porque eu queria mesmo era poder brincar embaixo da carroça de pai, eu queria aprender a andar de bicicleta naquela monark vermelha que quase me aleija os dedos.
Eu era do mato.