quinta-feira, 30 de junho de 2016

céu

Esse semestre foi atarefado, tarefa era  nome que me lembrava terra, pai sempre falava em tarefa de terra, nunca soube direito a extensão disso,mas sei que envolvia valores, o semestre atarefado também envolve, ter a barriga cheia pra poder sonhar é importante. Mas mais, eu não quero ser a velhinha do filme que teve seu teto roubado. No último ano a responsabilidade do teto todo meu caiu nos meus ombros como uma bigorna cai na cabeça dos personagens de desenho animado. Quando eu assisti Amor pela primeira vez eu chorei, porque refleti sobre o que eu já sabia, das limitações do corpo, o desespero do amor que tem sua casa/corpo ruindo. Filme duro, filme de amor também, não desse ocidental e reproduzido, mas de outro, molecular, orgânico, que tem corpo, que cai , que tem rugas lindas e álbum de fotografia. 
A velhice pode ser linda,a velhice é agora. Só existe o tempo da língua sentindo o cuspe, a fruta, a água, só existe o cheiro de sabão em pó na coberta recém lavada, de carambola madura nas bacias que vendem na feira, só existe o tom indefinível do laranja do céu de hoje, só existe o barulho que escutamos boiando no mar,só existe a pele macia e quente de dentro das coxas de quem se deseja. Essa velhice é a velhice que eu quero, o caminho é todo dia, é todo gesto, é a tentativa de beber mais água de coco, de colocar gengibre na nossa comida, de ter mais sabedoria que letramento.
Essa alegria que vem atoa e nos cobre com laranja, com vermelho pôr do sol, de azul tinindo o céu, de neblina, chuva torrencial e sol no mesmo dia. 
O teto virá sem que sejamos corrompidas por esse tempo mesquinho que nos cerca, virá com as flores que nos aparecem quando começamos a reparar nelas, como as comidinhas que gostamos, e que agora multiplicam-se os pontos que as ofertam pela cidade. Virá sem que abandonemos amigos, sem que esqueçamos que mais vale ter olhos ternos e doces, porque é preciso tempo para que sejamos mais gente que valor/lucro/produção, que às vezes , aquele chiclete que demos ao menino que queria vender coisas no farol é muito mais importante do que uma aula que preparamos sobre sintaxe,Saramago ou Clarice. As coisas boas já são, são os desejos de nossas mãos dadas abrindo meses,anos, abrindo envelopes colados com tenaz e escritos com caneta vermelha e sobrenome nosso.
Flor, eu vi o céu,viver é bonito , te ouvir me dá tesão .
Observação:mesmo que você cante aquela música detestável do Raimundos.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Calor.

9 º C em São Paulo e as flores roxas sorriem rijas como meus mamilos quando encontram sua língua. O frio que congela minhas mãos e pés traz uma luz mais funda e dura no cimento de velhas calçadas da cidade, calçadas verdes de musgo e duras de lembranças esquecidas, quantos amores começados em beijos gelados de chope nas calçados e bares dos bairros boêmios. Esse frio me convida para dentro da sua saia, a meia calça preta escondendo suas coxas roliças acendem desejos e atiça a urgência das minhas mãos, a cidade hoje ficou coberta de homens e mulheres de tons graves, eu pensei no casaco que você possivelmente usou hoje, tentei adivinhar a cor, a textura e seu cheiro doce encontrando a gola do casaco onde seus cachos recém cortados exibem um brilho que dança junto com seus dentes. A cidade tomou um banho de luz fria hoje e eu tenho 90 redações para corrigir, mais de 4 números para ligar e uma bibliografia pra ler, mas nada disso é tão pleno, largo e fundo quanto esse tesão aceso ao mais simples vento que roça meu pescoço trazendo lembrança de teu hálito.